Leia um trecho de "Queda de braço no tabuleiro de Deus"

Leia um trecho de "Queda de braço no tabuleiro de Deus"

E aconteceu que o velho tinha se matado no banheiro com um corte no pescoço, do lado do corpo tinha um canivete pequeno, antigo, mas que foi o suficiente pra fazer o estrago, seus cabelos brancos e ainda densos abriam-se por sobre o sangue, os olhos abertos miravam o teto e seu rosto parecia tragicamente em paz, se dá pra dizer assim. Perguntaram-me coisas sobre ele, expliquei que não o conhecia além daquela noite. Um cara que estava no balcão me parou e disse que o velho tinha deixado algo pra mim antes de ir pro banheiro. Era um livro seu, dentro havia uma dedicatória, “ao amigo de uma noite, boa sorte”. Fechei o livro e fui saindo, aproveitando o tumulto, em breve aquilo seria passado, era só um velho que ninguém conhecia, um velho com um livro na mão e nenhum documento no bolso. Nunca consegui passar das primeiras páginas daquele livro, não porque fosse ruim ou difícil e nem era, mas porque me lembrava a toda hora do sorriso do velho na mesa do bar me falando sobre os riscos de se fazer a curva da vida cedo demais. Nunca compreendi totalmente o que ele queria dizer, mas agora eu tinha entendido. Com o copo na mão e olhando aquele acidente e os que ficaram lá, mortos ou inutilizados, a coisa seca que a vida é, como podia ser a vida daquela mulher que chorava lá fora ao falar no telefone, não havia por que filosofar. A vida é o que é, os fatos são o que são, e a curva de que ele falava só podia ser aquilo ali na minha mão direita, o copo que nunca enchia o suficiente e que parecia fazer todo sentido em momentos como aquele, era disto que ele falava, do bom e lento suicídio. E Paul Simon cantarolava em minha cabeça: “...slip sliding away, slip sliding away, you know the nearer your destination, the more you slip sliding away…” –

 

 

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