Leia um trecho de "Escamas de borboleta não cegam"
Leia um trecho de "Escamas de borboleta não cegam"
“Não sei por que eu não a havia notado antes. Parece estúpido dizer isso, visto que tenho vindo nesta lanchonete todos os dias desde que entrei na faculdade, uma moça tão bonita assim eu teria notado. Um corpo benfeito, apertado no uniforme de atendente, o rosto moreno de olhos grandes e brancos, vivos e úmidos. Trocamos um olhar durante uma nesga de segundos, mas foi o suficiente para colocar em iniciação gatilhos secretos em meus interiores. Imaginei nós dois juntos, nos amando silenciosamente em uma casa agradável e adorável; nos sentaríamos em uma sofá também pequeno, mas que suportaria a euforia de nossas jovens existências, eu leria minhas histórias enquanto ela cerze roupas, ou passa os dedos languidamente entre meus cabelos, vendo em mim o maior homem do mundo e você, a eterna musa das minhas paixões adormecidas. Rolaríamos pelo chão em noites de chuva e o som das gotas que cairiam com estrépito no telhado não seria mais ruidoso do que os sons que emanariam dos nossos corpos, roçando-se, apertando-se, penetrando-se, gemendo-se. Meus dentes mordiscarem os bicos dos seus seios, a língua a buscar o secreto do seu sexo. Seus olhos me envolveriam, me sugariam feitos dois grandiosos buracos negros, arrancariam os despojos do meu eu e me entregariam a mim um menino distante, sem a mácula da realidade, cheio e vazio de desamor, pronto para as suas iniciações, como se nunca houvesse outra amada, nenhuma sombra sequer dela, não há outra, somente a sua presença. Eu beijaria cada parte escondida do seu corpo, seus braços e antebraços, suas escápulas, seus rins, seus pulmões e todas as suas partes gêmeas, seu coração pequeno e ávido, seu cérebro, sua bexiga, seu útero, desceria languidamente ao sexo. O antes e o depois de mim. Nos preencheríamos, completaríamos nossas existência falhas com partes um do outro, eu semearia em seu magnânimo vaso, de pedaços eloquentes da minha alma, veria crescer nela uma parte do melhor de cada um de nós dois. Renderíamos graças ao destino por nos ter unido, quando víssemos os sorrisos dos nossos filhos alargando-se à medida que crescessem, ganhassem personalidade e um dia nos deixassem para que repousássemos mais uma vez em nossas existências solitárias, antes da existência deles. Eu embalaria o seu sono e afugentaria todos os demônios insolentes que ousassem tocar na fímbria negra que orla os seus olhos. E assim, ressonando tranquila eu poderia viajar até os recônditos da existência para dar graças a sua vida, investigar a semente da ideia que te criou, adorá-la, tomá-la como minha irmã amada. Eu subiria aos píncaros das cordilheiras, acima das nuvens lentas e clamaria tão alto que até os animais antediluvianos me escutariam, voaria até o paraíso, antes do pecado original que corrompeu os homens e daria um abraço apertado no primeiro, meu pai Adão, cumprimentaria respeitosamente a sua Eva e aconselharia ao primeiro de todos a cuidar daquela que é parte do seu corpo, não da sua costela, mas do pedaço mais tenro e necessário do seu coração. Ao retornar da minha viagem através das eras, eu acompanharia toda a sua linhagem, o caminho do doce néctar do seu sangue até fluir para suas delicadas veias, adormecidas sobe o moreno da pele, que injetam poderosamente o sangue quando você se entrega toda em meus braços e eu vejo nos seus olhos, e você vê nos meus, que a criação valeu a pena.”
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