Ele

2002

         – Onde tá ele?

         – Ele quem, filha?

         – O homem! Onde tá o homem? Os olhos inquietos buscavam em cada fresta da mãe.

         – Que homem?

         – Meu pai!

         Caralho! Essa menina tem dois anos, quem enfiou na cabeça dela que tem que ter um pai? Maldita escola!

         Daniele segurou o rosto da menina, um bebê ainda, e respondeu controlando a voz:

         – Nem todo mundo tem pai, filha. – Será que ela percebeu?

         A cabecinha lançou-se à babá. – Mari, cadê seu pai? A esperança esmolava colo.

         – Meu pai foi-se. – a voz dobrava os panos e os equilibrava nas prateleiras. Olhos concentrados em se manterem secos.

         – E o papai de mamãe? – Os cachos serpenteando o ar. A tensão asfixiando. Pequena medusa pronta para agir.

         – Eu não vejo muito meu pai, filha. A cor fugindo, fundindo-a com a parede.

         Ana saiu pela casa. Pernas roliças em passos firmes. Olhou embaixo da cama, atrás da porta, na despensa. Encontrou Emília, sua boneca, no sofá. Acolheu-a nos braços, as mãos miúdas dando leves tapinhas nas costas de pano. “Nana neném, que a cuca vem pegar, papai foi-se embora, mamãe vai cuidar.”

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