Leia dois poemas de Marina Della Valle
Leia dois poemas de Marina Della Valle
RETRATO NA BANHEIRA
Fios longos, escuros
que jamais foram meus
refluem na água
(halo negro, guirlanda
de viúva, o amor
quetumitinhas).
Pele pálida como nunca tive
palhaça triste: boca vermelha,
olhar de esguelha, despida
canelas firmes, coxas nem tanto
seios escondidos até na solidão
guardados por um dragão
tatuado no braço.
Essa moça morreu, coitada.
O FIO
Escuta
Despe a casca um instante
E me escuta
Branca e quebradiça, frágil.
A luta é outra.
O desafio é seguir nessa ponte tão fina
Entre penhascos.
O vazio me desequilibra
O vento que assovia nos buracos.
Escuta
Eu estou perdendo
Eu estou exausta
Desses bailes tão fugazes
De tecer curativos
Letra após letra após letra
Costurando buracos
Que não têm cura.
Escuta
Esse tecido que o tempo esgarça
Vai ficando cada vez mais fino
Eu estou perdendo
O equilíbrio
Minuto após minuto.
Escuta
Esse véu roto
Já não pode esconder
Os órgãos expostos
Os cantos que a dor carcomeu.
Escuta
Eu estou exausta
Sobre o fio dessa lâmina
Sobre esses penhascos
E vazio chama vazio
Buraco chama buraco.
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