Ficha técnica:
Título: Diário da menina vestida de blue
Autora: Samantha Buglione
Gênero: Romance
Capa: Marcelo Nunes
Desenho da capa: Philipe Sidartha
Ano de publicação: 2024
Edição: 1ª
Dimensões: 14 x 21 cm
Número de páginas: 228
Acabamento: brochura
ISBN: 978-65-982692-2-7
Sobre a autora:
Samantha Buglione é psicanalista, escritora e curadora. Doutora em Ciências Humanas com formação em Direito e Filosofia. Publicou o livro O amor e suas vontades (2018) em que transforma cada discurso do Banquete de Platão em um poema, o livro de contos Carimbos (2020), o infantil O caracol sem teto (2021) e a novela A mãe inventada (2022). Diário da menina vestida de blue é seu primeiro romance.
Sobre o livro:
Podemos mudar nossa própria historia? Uma mulher marcada pelo abuso e o abandono na infância revive na memória seus momentos-chave: a relação com o pai, a partida da mãe, seus principais parceiros sexuais, a ascensão profissional - sempre se mantendo “a salvo” e escondida sob a máscara de uma caçadora experiente. Até que um encontro, nascido em meio à pandemia, desarma-a e a leva a sentir e expressar sensações até então desconhecidas. Entre diálogos com deus e com a memória da avó, e diante do vazio que a consome, ela arrisca elaborar uma outra biografia para si mesma. Mas ninguém sai ileso de uma caçada.
O que se disse sobre o livro:
"A voz de Samantha Buglione é a de um Brasil literário e vivo que muitos de nós poderão reconhecer, mas é também muito sua. Única. São seus uma voz e um tom que balançam entre uma fragilidade sincera e uma força plena de empenho em resistir. Este seu Diário de Menina Vestida de Blue poderia intitular-se Diário de Menina e Mulher Investida de Coragem: a coragem de narrar o lugar e o papel de uma mulher entre dois mundos com uma escrita quente, lírica, visceral e a que não faltam passagens divertidas ou verdadeiramente aforísticas."
João Reis, escritor e tradutor português, autor de "A noiva do tradutor"
"O que pode um corpo? O corpo que volta a experienciar o real é aquele também que pode libertar-se. O que pode um corpo feminino? A autora escreve sobre o direito da mulher ao próprio espaço dentro de si, ao direito de não ser violentada apenas pelo fato de existir num corpo de mulher. Ao lermos o romance ficamos com a sensação de que a genitália feminina é um campo minado, uma chaga incurável no meio das pernas. A narrativa de Samantha nos traz sobretudo um corpo que narra, um corpo que vai se constituindo a medida em que vai escrevendo sobre as suas agruras existenciais. Corpo e escrita se entrelaçam e se retroalimentam. A palavra fisga o leitor e o torna cúmplice das amarguras e perversidades da protagonista.
Diário da menina vestida de blue apresenta, na natureza do texto, o movimento do corpo em seus ritmos, danças e quedas. Não se trata de mais uma escritora que repete fórmulas de escrita. A autora com certeza as conhece muito bem, tanto as recentes quanto as antigas e consegue extrair delas o que possuem de valiosas e as reformula num todo original, enriquecido com uma brincadeira de mostrar e esconder.
Samantha Buglione narra não a partir de um realismo forjado e artificial, muito recorrente ultimamente na literatura, e sim a partir de uma edificação sólida, onírica, complexa e não linear. Nesta obra, encontra-se um tema de extrema importância: o corpo como uma instituição social, econômica e política. Não temos apenas um romance diante de nós, mas um corpo que se constitui linha a linha em toda a sua complexidade e se entrega extenuado ao leitor."
Márcia Barbieri
“Fugir é o verbo da minha história”: com essa frase a protagonista resume o começo de sua trajetória de vida. Resume e põe diante dos olhos do leitor um tormento, que acontece desde a primeira linha dessa narrativa dura, desconfortável, de que dá vontade de fugir a cada momento.
Na história inicial dessa Maria José, se misturam genitores indígenas e luso-brasileiros, um pai abusador e uma mãe ausente (porque morreu logo, o que foi sua forma de também fugir), o que quer dizer que Samantha Buglione traz para o centro da cena uma das imensas e incuradas chagas da formação brasileira, espécie de fantasma, de cadáver sob a cama, que o Brasil teme enfrentar e, paradoxalmente, enfrenta todo dia. Enfrenta não com uma atitude analítica madura, mas como danação, como violência esparsa e sofrimento sem nome.
“Nesta vida a gente caça ou é caçado”, adiante ela lembra, em outro provérbio tosco, não daqueles tramados na sabedoria lenta da vida (“Nada como um dia depois do outro”), mas daqueles que brotam como verdade urgente, inadiável, na hora do perigo. Dessas certezas agudas é feita a angulação da narrativa, feminina num grau raro, enfrentando uma sucessão de relacionamentos em que o físico e o metafísico estão o tempo todo acionados.
A brutalidade paterna é apenas o primeiro passo da vida dessa personagem, cujo poder narrativo emparelha com seu poder analítico das cenas, das interações sociais, dos encontros eróticos, dos jogos de poder e entrega tão comuns na vida – o leitor e a leitora se reconhecerão, talvez com pudor, talvez com vergonha, talvez com prazer, de infinitos lances de sua própria vida, não porque a vida ali narrada seja exatamente igual à nossa, mas justamente porque, sendo muito diferente, exagerada, bruta, a história da protagonista ilumina o nosso trivial cotidiano com luz extrema.
Esse extremismo lembrou a este leitor um verso do atormentado Augusto dos Anjos, poeta que, lá em seu tempo e com suas marcas, expressou também a dor de viver “a ultrainquisitorial clarividência de todas as neuronas acordadas”.
A história que aqui se lê é também o relato da história de uma intelectual de sucesso, de uma mulher empoderada, como agora se diz. Mas o correr do texto desacomoda sempre, alternando descrições serenas e racionais de cenas da vida cotidiana, especialmente do universo das relações amorosas, com fragmentos de índole poética, diálogos, anotações aleatórias num diário. O conjunto vai compondo um painel de vida, num tipo de romance de formação só que submetido a uma perspectiva analítica constante, incansável.
É como se este Diário fosse a súmula corajosa de uma consciência aguda que examina, à luz daquela ultrainquisitorial clarividência – de que não há como escapar, porque não há remansos e zonas de sombra – , o miúdo de uma vida em permanente agonia. Coragem grande é o que requer a leitura, que não tranquiliza nunca, nem à personagem, nem ao leitor.
Luís Augusto Fischer