Depoimento de Dina Dominick ao Sarau Literário

Depoimento de Dina Dominick ao Sarau Literário

OS ARREDORES DAS PALAVRAS

Dina Dominick

 

 

A publicação do meu livro de estreia, em março de 2024, trouxe-me experiências que nenhum outro acontecimento proporcionaria.

Fui feliz na escolha da Editora. A Nauta fez um belo trabalho de edição e a interação com o editor-chefe não poderia ser melhor.

As demonstrações de apoio apareceram logo após a revelação da capa nas redes sociais, e persistem. No evento de lançamento, vi surgirem amigos de várias fases da minha vida, inclusive colegas da escola primária. Tenho 59 anos.

Anunciam o recebimento do livro via Correios, além de elogiarem a capa. É como se confirmassem junto à mãe a chegada de uma criança em uma colônia de férias: “chegou bem, está seguro e vai se divertir por aqui”.

Escrevi os contos de A Outra Mulher sem ter em mente um leitor ideal. Aliás, eu me angustiava ao ouvir autores afirmarem com muita segurança qual seria o perfil de seu público leitor. Aos poucos, manifestações carinhosas de leitores com idades e personalidades distintas me assaltam em várias situações qual nuvens de passarinhos, pegando-me desprevenida.

 

                                                                                                   

 

As experiências mais marcantes envolvem reações de pessoas que eu não contava como possíveis leitores dos contos. Foi o que aconteceu quando uma amiga solicitou: “A mamãe quer um também.” Sabendo que a senhora em idade avançada se encontrava bastante fragilizada, argumentei: “Achei que você fosse ler pra ela o seu exemplar, ou o da sua irmã.” Então, acertou-me a resposta inesperada: “Sim, vou ler pra mamãe, só que ela insiste: quer o livro e quer te receber em uma visita breve”. A declaração tocou-me profundamente durante dias. Vieram-me vestidos com estampas florais e lábios tintos de vermelho. A senhora elegante nos servia o lanche na casa dela nos trabalhos em grupo do ginásio.

Outro dia, ao chegar à academia de Pilates, dona Mercês, 80 anos, cumprimentou-me assim: “Meu marido está lendo o seu livro primeiro que eu. Ele disse: pergunta à sua amiga escritora por que o senhor do conto Santiago não libertou o pássaro da gaiola.” Uma onda de ternura cercou meu entendimento, enquanto eu afirmava: “Eu não havia atentado pra esse detalhe, mas vou pensar sobre essa curiosidade”. Igualmente curiosa sinto-me ao imaginar quem mais estaria lendo o livro, em quais situações, e quais efeitos a leitura produziria.   

A atenção também veio por parte de uma amiga de Itamarandiba: “Minha mãe, de 93 anos, surrupiou seu livro da minha cabeceira.” Eu quis saber: “Me conta se a dona Dica somente folheou o livro, ou leu alguns contos.” A Maire respondeu: “Mãe leu tudinho. Nem me dava a bênção quando eu pedia. E quando terminou, disse: muito agradável”.

 

                                                                                                               

 

Minha irmã relatou que a diarista dela flagrou o livro sobre um móvel e comentou, após a leitura do conto "A Outra Mulher", que emprestou o título ao livro: “É a história de seu pai, não é, Jacqueline?”.

O acolhimento do livro como objeto de valor causou-me surpresa. Alguns dos textos já tinham sido divulgados em periódicos, mas considero que eles alcançaram status superior uma vez agregados aos demais pela materialização em papel.

Sobre o livro: “Nos 22 contos do livro, o que encontramos é o cotidiano mineiro – muito caro ao coração dos brasileiros – que, à medida que os fatos vão se desenvolvendo ao redor do leitor, neles imerso, vai se abrindo ao pensamento reflexivo, à abstração e ao universal por meio do simbólico, do insólito e, do extremo, do fantástico”. (Extraído da legenda da publicação de @lucascafre).

É certo que minha escrita foi influenciada pelo estilo de vários autores que admiro, mas, em maior grau, de Júlio Cortázar e Guimarães Rosa.

Desapegar-me dos textos engavetados, alguns por mais de 10 anos, exigiu-me esforço, menos por temer o julgamento de quem os examinaria – empenhei-me na lapidação, buscando a sua maturidade –, e mais por eu ter adquirido o vício típico de quem guarda algo somente para si por tanto tempo. Mas a sugestão da guarda compartilhada já é uma realidade. Espero que as histórias continuem circulando. 

 

 

Dina Dominick é de Belo Horizonte, graduada em Letras pela UFMG. Produz conteúdo sobre literatura através do perfil no instagram @dinamariadominick. Tem contos publicados no jornal Relevo, na Revista Artes do Multiverso e em coletâneas da Editora Selo Off Flip. A Outra Mulher é seu livro de estreia. 

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