Bruno Inácio escreve sobre "Sob o céu vermelho"
Bruno Inácio escreve sobre "Sob o céu vermelho"
“Sob o céu vermelho”: Brasil e o caos do fim do mundo
Bruno Inácio
Nos últimos tempos, ficou evidente que a democracia brasileira não está exatamente bem estabelecida. Aliás, de dez anos para cá, o país vivenciou o que há de mais horrendo e absurdo, com situações que pareceram retiradas de uma distopia das mais assustadoras.
Em meio a acontecimentos nefastos, surgiu no meio literário certa expectativa em relação a uma obra que seria capaz de sintetizar todos esses absurdos em uma trama criativa, bem amarrada e capaz de contemplar temas como desastre ambiental, fanatismo religioso, abuso de poder e autoritarismo, sem cair nas armadilhas do didatismo.
Entre todos os livros que se propuseram a alcançar esse objetivo, o romance “Sob o céu vermelho”, de Basílio Baran, provavelmente é o exemplo mais completo e interessante. O livro recém-publicado pela Nauta apresenta um Brasil diante do fim do mundo, com personagens de diversas regiões do país em meio ao desejo de se tornarem protagonistas das próprias vidas em contraposição à falta de perspectivas.
A obra se passa em lugares como Curitiba, Rondônia e o interior de Goiás e apresenta diferentes olhares sobre o apocalipse, a partir dos personagens Tiago, Leandro, Yuri, Docinho e Ana.
Diante deles estão a explosão do foguete idealizado pelo bilionário excêntrico da vez, a desigualdade social, a violência policial, os crimes de latifúndio, a fome, a política pautada pelo interesse financeiro, o extermínio, o desastre ambiental, o fanatismo e a guerra.
Ao contrário dos repetitivos filmes estadunidenses que surgem aos montes a cada ano, no romance de Basílio Baran os protagonistas encaram com certa naturalidade o fim do mundo. Afinal, estão cientes de que esse destino não era, assim, tão imprevisível.
Para observar isso, basta olhar ao redor e perceber que, provavelmente, estamos diante de uma situação irreversível não só no que diz respeito aos impactos ambientais, como também aos inúmeros perigos representados pelo avanço de pautas conservadoras.
Também por isso, o autor traz aproximações e distanciamentos entre a realidade das cidades grandes e a do campo, ao evidenciar que embora existam diferenças gritantes entre esses dois tipos de espaço, ambos parecem sentenciados a um mesmo destino.
Para além de todas as reflexões propostas em tom pessimista (ou, talvez, perfeitamente realista), o autor demonstra habilidade para construir tramas e subtramas irresistíveis. Os enredos apresentados são igualmente interessantes e referenciam, cada um à sua maneira, parte do caos e das contradições existentes no Brasil contemporâneo.
Basílio Baran também apresenta personagens cativantes e bem construídos, inclusive aqueles que aparecem rapidamente ou os que ocupam os papéis de antagonistas. O autor apresenta as motivações de cada um sem recorrer a diálogos expositivos ou ao clichê de um narrador que explica a trama como se leitores não tivessem capacidade suficiente para entender sozinhos.
Dessa forma, “Sob o céu vermelho” utiliza como poucos a ficção para abordar os contrastes e as nuances dos acontecimentos recentes do Brasil. O autor tece uma história repleta de alegorias inteligentes e demonstra técnica e criatividade mais que suficientes para compor uma narrativa tão inovadora quanto necessária.
“Sob o céu vermelho” é uma das ficções recentes que mais se aproximam da difícil tarefa de explicar um país que, como disse o próprio autor, não precisa de nenhuma distopia.
Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e autor de “Desprazeres existenciais em colapso” (Patuá) e “Desemprego e outras heresias” (Sabiá Livros). É colaborador do Jornal Rascunho e da São Paulo Review e tem textos publicados em veículos como Le Monde Diplomatique, Rolling Stone Brasil e Estado de Minas.
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