Bruno Inácio escreve sobre "O livro dos cem anos", de Marcelo Ambrosio

Bruno Inácio escreve sobre "O livro dos cem anos", de Marcelo Ambrosio

O livro dos cem anos, de Marcelo Ambrosio: a memória e o passar do tempo

Bruno Inácio

 

Recentemente publicado pela Editora Nauta, O livro dos cem anos, de Marcelo Ambrosio, faz um profundo mergulho no que há de mais autêntico e sensível na memória humana. A obra apresenta diversos narradores centenários, que revisitam acontecimentos marcantes de suas vidas, por meio de relatos poéticos e verossímeis.

As narrativas se cruzam, se completam e – acertadamente – até se contradizem. Há espaço para traumas, saudades, afetos, fatos históricos e muita delicadeza. E tudo isso sem deixar de lado toda a complexidade de cada personagem, com seus anseios e suas próprias visões de mundo.

Isso fica evidente já nos primeiros capítulos, quando leitores e leitoras percebem que o autor realmente se dedicou ao processo de construção psicológica de cada morador do asilo fictício onde a história se passa.

Marcelo Ambrosio compreende que duas pessoas jamais fazem relatos da mesma forma. Por isso, os narradores de O livro dos cem anos têm profundas diferenças entre si em relação à linguagem: embora sejam pessoas de uma mesma época, cada uma tem seu vocabulário, ritmo e maneira de estruturar sentenças.

Existem os narradores que apostam no lirismo e os que optam pelas frases mais cruas; os que preparam o terreno e os que vão direto ao ponto; os que defendem suas verdades com convicção e os que celebram a beleza da dúvida; os que saboreiam tudo o que viveram e os que se ferem a cada nova visita ao passado.

Mas não é apenas no que diz respeito à técnica que o romance de estreia do autor chama a atenção. As histórias contadas por seus narradores são profundas e originais. Ao longo do livro, figuras como Lampião e Maria Bonita dividem espaço com enredos familiares, fome, angústia e solidão.

Por conta de sua experiência como jornalista, o escritor é capaz de nos colocar frente a frente com esses personagens, como se estivéssemos a ouvir seus desabafos ou a acompanhar suas histórias atentamente em tempo real. E que privilégio poder “ouvir” pessoas com tanto a dizer.

Os personagens do livro são profundamente humanos: têm sonhos, anseios, desconfianças, desejos e muitas camadas. A cada história isso fica ainda mais evidente, afinal, todo a obra está bem estruturada em uma trama que pode até parecer simples, mas que na verdade tem diversas nuances. 

Também por isso, é perceptível que os capítulos curtos foram cuidadosamente organizados, tarefa bastante difícil, já que não se trata de uma história contada de forma linear.

Em meio a tantos acertos, O livro dos cem anos é uma das obras literárias brasileiras mais interessantes de 2024 até aqui. Sua temática central aborda simultaneamente aspectos como a velhice e a memória, ao passo em que seus personagens bem construídos e suas narrativas irresistíveis proporcionam a leitores e leitoras sensações que vão da revolta ao amparo.

O romance de Marcelo Ambrosio foge do lugar-comum em muitos sentidos, especialmente ao trabalhar a linguagem com bastante zelo e ao se preocupar em diferenciar a maneira com que cada personagem fala, pensa e age. Assim, O livro dos cem anos não é apenas uma excelente obra de ficção, mas, sobretudo, um convite à reflexão sobre o passar do tempo – longe de idealizações ou respostas prontas.

 

 

Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e autor de “Desprazeres existenciais em colapso” (Patuá) e “Desemprego e outras heresias” (Sabiá Livros). É colaborador do Jornal Rascunho e da São Paulo Review e tem textos publicados em veículos como Le Monde Diplomatique, Rolling Stone Brasil e Estado de Minas.

 

 

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